quarta-feira, 13 de abril de 2011

Futebol de Várzea

Amor. Paixão. Esperança. Estes são alguns dos sentimentos capturados pelas lentes do cineasta Marc Dourdin em seu primeiro documentário intitulado “Futebol de Várzea”. O longa participou da 16ª edição do Festival Internacional de Documentários “É Tudo Verdade”, o maior da América Latina, e esteve em exibição no Rio de Janeiro e em São Paulo em abril deste ano.

A história é contada sob a ótica de quatro personagens: Basílio, ex-jogador do Corinthians, descoberto nos campos de várzea; Dourado, que trocou as chuteiras pelo apito a fim de continuar respirando futebol; Douglas, amador que, como Basílio, sonha em ser descoberto por um grande clube; e o Boa Esperança, time da Zona Leste de São Paulo e tricampeão da principal competição de futebol de várzea, a Copa Kaiser. Quatro personagens, quatro histórias que traduzem o amor ao clube, ao esporte e ao futebol, mas também o desejo de ter uma vida melhor.

No subúrbio de São Paulo, o futebol amador apresenta-se como uma saída à marginalidade, como uma ferramenta de integração de uma comunidade que, nos finais de semana, veste a mesma camisa para ver brilhar seus craques nos campos carecas e enlameados. Em bairro onde há campo de várzea não há “desova”, não há espaço para criminalidade. No subúrbio, o futebol amador mantém viva dentro do menino e do jovem adulto a esperança de ser grande, de virar profissional, de ser gente. Caso de Douglas que, aos 21 anos, pai de família, ainda sonha em ser jogador do Corinthians.

Numa era em que o futebol virou espetáculo, monitorado por interesses de dirigentes, patrocinadores e redes de televisão, que rende somas exorbitantes à sua elite, “Futebol de Várzea” oferece um contraponto. Os interesses existem, mas suas proporções são bem menores. O que prevalece é o companheirismo, a camisa, a sede de vitória. Os dividendos que os jogadores recebem entram no orçamento para complementar a renda. Vai para a fralda do menino, para o arroz com feijão.

Essa realidade pode estar mudando. Betão, técnico do Boa Esperança, mostra-se preocupado em relação aos novos interesses que começam a surgir dentro da liga: patrocinadores que pagam mais, jogadores em busca de dinheiro. É inevitável, uma vez que os meios de comunicação passam a se apropriar também do amadorismo. Todos querem aparecer. Exposição gera lucro. Por que o amador não pode fazer seu “pé de meia”?

Mas o que impera na várzea é o jogador que não tem mais idade para ser profissional, que joga por amor ao esporte. Ou aquele que vira juíz para continuar a fazer parte do universo do futebol, assim como o dono do bar que abre suas portas para que o time afogue suas mágoas na derrota ou brinde suas conquistas.

O futebol de várzea é, em si, despretensioso como o filme, que emociona por suas belas imagens e por sua sensibilidade, revela o lado doce da realidade de quem é movido por uma paixão transcendente. Aqui, o futebol é para todos. É possível brilhar num terreno descampado, demarcado por cal, sujar-se de lama e sair herói. Na várzea jorga-se porque joga-se, porque gosta-se, porque é bom, porque faz feliz.