sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Carta a uma amiga

Querida amiga,

Já faz dez anos desde que nos falamos. Lembro-me bem, pois era o seu aniversário de 30 anos. Não telefonei para te desejar parabéns; nós nunca ligamos para isso. Liguei para te “abusar”, como eu dirira, e para te lembrar daquela data que você esperava com tanta angústia. A ligação foi breve - eu estava no meio do expediente e você não queria esticar o assunto. Eu não sabia que seria a última.

Hoje sou eu que me aproximo dos trinta anos a passos velozes. Entrarei para a classe das mulheres balzaquianas na terça-feira do próximo carnaval, para ser exata. Não me deparo com os mesmos medos que você - talvez não compartilhe os mesmos anseios que você à época -, e não sei se me sinto tão diferente agora do que me senti ao chegar aos vinte; se bem que nem me lembro mais como foi e o que senti.

Há muito tempo eu queria escrever para você e já iniciei esta carta em minha mente mais vezes do que posso lembrar; sempre que permiti que a ternura superasse a mágoa e o orgulho. A verdade é que, quando você decidiu tomar seu próprio rumo sem dizer nada, eu não entendi. Nem sei dizer o que senti. Nunca tive raiva ou rancor, apenas um vazio deixado por sua ausência e pelas perguntas que ficaram e permanecem sem resposta. E agora, sem saber para onde endereçar esta carta, posto ela aqui.

Soube que você se casou e teve um filho. Fiquei muito feliz por você, pois você sempre me falou o quanto queria uma família. Nesses últimos dez anos, eu perdi a minha avó - aquela a quem você tinha apreço -, conclui a faculdade de Relações Internacionais, morei em Paris, aprendi a falar francês, cursei um semestre de jornalismo, viajei sempre que tive oportunidade, morei nos Estados Unidos outra vez, me apaixonei, fiz um curso de roteiro cinematográfico - um dos pontos altos desta última década -, tive meu coração partido, trabalhei em restaurante, voltei para o Brasil, trabalhei em jornal, me mudei para São Paulo, estudei jornalismo esportivo, morei com meu irmão, trabalhei com moda, morei sozinha, tive um sobrinho - Benjamim, o grande amor da minha vida - e fiz novos amigos. Nenhum deles apagou a memória que tenho de você.

Eu já te perdoei há muito tempo. Espero que você também me perdoe por não ter lutado por nossa amizade.

Ps.: Ah, já ia esquecendo. Finalmente descobri o que são os 5%.

5 comentários:

  1. Lu, muito bom o texto. Me emocionei, me fez pensar na nossa velha amiga, nos meus últimos dez anos e também nos amigos q perdi contato talvez por culpa minha. Inspirador seu texto minha irmã.
    Valeu

    Daniel

    ResponderExcluir
  2. Legal, interessante e engraçado... não o texto, mas as três reações propostas pelo blog. O texto é muito mais que isso. Puro sentimento. Tenho orgulho de ser seu pai.

    ResponderExcluir
  3. Lu, como sempre além de bem escrito, texto muito inteligente! Bjs de seu amigo,

    ResponderExcluir
  4. Ela deveria ler isso de alguma forma!!! Estou angustiado aqui!!!!

    ResponderExcluir
  5. Querida amiga. Finalmente o lindo texto que você escreveu para mim chegou até... a mim. Foi como uma garrafa vedada com mensagem lançada ao mar. Foi indo, foi indo, ao sabor do tempo. Eu fico emocionada, e parece que o que escrever não vai verdadeiramente demonstrar quão desconsertada estou. Indigna de sua amizade. Nada foi por maldade ou ingratidão. também, nada q eu escrever vai justificar. Peço encarecidamente o seu perdão por tê-la deixado.
    Nada foi perdido. Então, proponho a você a continuidade da nossa linda amizade, com todas as alegrias e percalços para compartilhar.
    Também tenho Orgulho de ser sua amiga e de ver q vc faz parte dos 5%!!!

    ResponderExcluir